Arte e política da educação – Por Ana Paula Conde
Arte e política da educação
Por Ana Paula Conde
“Dar aulas é um dos atos políticos mais poderosos que existem”, diz o professor e pintor Charles Watson, que há mais de 30 anos dá cursos no Parque Lage, no Rio
Quando resolveu parar de praticar boxe, Charles Watson procurou o chefe do clube para comunicar a decisão. Para sua surpresa, o homem não tentou reverter a situação, talvez percebendo que o ringue não daria futuro ao jovem. Antes de encerrar a conversa, falou: “Aceito que você pare de lutar, mas não que pare de incentivar os outros lutadores”.
O episódio foi revivido durante uma conversa com o curador Paulo Herkenhoff sobre metodologia de ensino, em um vernissage, e relembrado na entrevista abaixo, realizada com Watson, professor da Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage, no Rio de Janeiro. Ele nasceu na Escócia, em 1951,estudou na Bath Academy of Arts, na Inglaterra, de 1970 a 1974, e chegou ao Brasil em 1975, após ser convidado pelo então curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Roberto Pontual, para uma residência no país. Em 1979, deu seu primeiro curso na EAV e não parou mais.
Ao longo desses anos, passaram pela sua sala de aula Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, entre outros artistas, sua maneira de ensinar transformou-se, outros cursos surgiram, o pincel foi deixado de lado e um antigo desejo, o de construir veleiros, se realizou. Watson diz não sentir falta de pintar e hoje concentra toda a sua energia criativa na educação. “Dar aulas é um dos atos políticos mais poderosos que existe, sem ingenuidade, pois ele pode desencadear processos de reflexão”, afirma.
O professor está à frente de três grandes projetos educativos: os cursos “O processo criativo”, “Procedência e propriedade” e “Dynamic encounters”. Todos têm como proposta desencadear a reflexão e o processo criativo, seja em que área for, a partir de elementos variados. E não há uma trajetória fácil nesse processo. É preciso pensar, produzir e analisar o que se cria.
As aulas promovidas por Watson não se resumem à história da arte e temas estritamente ligados à área artística. As referências são múltiplas e, muitas vezes, os alunos se mostram surpresos ao perceberem que determinada ideia surgiu em outro campo, e não na esfera da arte, como imaginavam. A cosmogonia, a física quântica e a cenografia dividem espaço com a filosofia, a história e as questões de suporte. “Sugiro aos meus alunos que leiam tanto ciência quanto filosofia francesa”, afirma.
O curso “O processo criativo” acontece na EAV e no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. “Procedência e propriedade” é realizado na própria casa de Watson, em Botafogo. E o projeto “Dynamic encounters” ocorre em museus e ateliês localizados nas principais cidades do mundo.
A iniciativa já levou Watson e seus alunos a se encontrarem com Jeff Koons, Olafur Eliasson, Tacita Dean, Monica Baer, Thomas Struth, Cristina Canale, Candice Breitz, Eduardo Kac, Sean Scully, entre outros. Foram 38 ateliês desde 1992.
Como resultado desses encontros, Watson tem cerca de 800 horas de entrevistas. Enquanto a oportunidade para editar o material não chega, ele o utiliza como base para uma versão do mesmo curso no Parque Lage _o que significa, também, atender o público que não pode pagar pelo alto custo das viagens internacionais.
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