Especialistas defendem “tratamento de choque” para a educação
Fonte: JC e-mail 4062, de 28 de Julho de 2010.
Ensino básico no país é considerado como uma tragédia pelos participantes de mesa-redonda na 62ª Reunião Anual da SBPC. Eles apresentam sugestões para dar o salto necessário, mas ressaltam que não há solução de curto prazo
Dos 135 milhões de brasileiros que deverão votar nas eleições gerais de outubro, cerca de 20% – ou 27 milhões – são analfabetos ou não têm escolaridade. Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que retratam a situação da crítica da educação no país, foram apresentados pelo professor Nilson Machado, da Faculdade de Educação da USP, durante mesa-redonda na tarde desta terça-feira (27/7), na 62ª Reunião Anual da SBPC.
“Em 2002, 26% dos eleitores eram analfabetos ou não tinham escolaridade. Em 2006, eram 23%. Agora, são 20%. Está melhorando, mas não dá para a gente se conformar com esse ritmo de mudança. Se continuarmos, acabaremos com os eleitores analfabetos apenas daqui a sete eleições”, alerta Machado.
O evento na Reunião Anual reuniu especialistas na área da educação com objetivo de refletir sobre a necessidade de uma inflexão do setor. Para isso, concordaram os participantes da discussão, são necessárias mudanças amplas e urgentes. O coordenador do GT-Educação da SBPC, Isaac Roitman, considera que todo o sistema precisa ser revisto, desde a primeira infância até a pós-graduação.
Roitman mostrou dados referentes ao que chama de “tragédia” – que mostram, entre outros aspectos, o baixo índice de alunos que chegam ao ensino médio e a alta taxa de abandono da escola, especialmente nas regiões Nordeste e Norte; as péssimas colocações do Brasil em exames como o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) e em avaliações da Unesco sobre repetência; a diminuição do número de formandos em carreiras do magistério; e as precárias condições de infraestrutura das escolas e de trabalho dos docentes.
Para Nilson Machado, da USP, o país necessita de um projeto nacional que tenha como objetivo imediato a universalização da educação básica – que inclui do ensino infantil ao médio. Para isso, propõe Machado, é necessário um mutirão que reúna todos os atores envolvidos com a educação, durante um período de três a cinco anos para produzir uma inflexão e outro intervalo temporal igual para consolidar as metas.
“A educação precisa de um tratamento de choque. É incompreensível termos uma pós-graduação e pesquisa com reconhecimento até internacional em algumas áreas, e termos um ensino básico com a que existe atualmente”, lamenta.
Seguindo esse propósito de fazer um mutirão pela educação, a SBPC criou, em 2008, o grupo de trabalho (GT-Educação) para pensar soluções de médio e longo prazo para o setor. No ano passado, a entidade lançou o movimento “Pacto pela Educação”, ampliando as ações do GT, que tem representantes da academia, do setor empresarial, de entidades estudantis e da sociedade civil. (leia mais abaixo)
Outro ponto ressaltado na mesa-redonda foi a questão dos modelos pedagógicos utilizados pelas escolas brasileiras. Fernando Becker, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), defende uma reformulação profunda na formação dos professores, já que, a seu ver, o modelo atual é o de apresentar o conteúdo e mandar o aluno repetir. “A escola tem que se transformar cada vez mais em laboratório e cada vez menos em auditório”, provoca Becker.
Com relação aos investimentos no setor, os especialistas concordam que os recursos existentes são, mais que insuficientes, mal aplicados. Para eles, seria possível até mesmo quadruplicar o salário dos professores da educação básica, cujo piso atual está próximo de R$ 1.000. Uma proposta seria a adoção de remuneração diferenciada para docentes com mestrado e doutorado – o que propiciaria uma transição gradual para atingir um padrão salarial e incentivaria o aperfeiçoamento dos professores.
O debate sobre educação foi mediado pela professora Araci Assinelli da Luz, do Departamento de Teoria e Prática de Ensino da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que alertou sobre a importância de a sociedade como um todo se mobilizar em favor das mudanças necessárias à educação no país.
GT-Educação da SBPC quer apresentar propostas ao próximo governo
O grupo de trabalho (GT-Educação) criado pela SBPC para discutir e propor ações para a educação no país pretende consolidar propostas, principalmente voltadas ao ensino básico, que serão entregues ao próximo presidente da República.
A intenção é reunir uma série de ações práticas e estratégias de desenvolvimento dessas ações nas seguintes dimensões: o professor; conteúdos e processos pedagógicos; infraestrutura; gestão; avaliação; e integração com a sociedade.
O coordenador do GT, Isaac Roitman, informou que o objetivo é consolidar as propostas até fevereiro de 2011. O próximo passo será a elaboração de indicadores para avaliar se as medidas sugeridas estão sendo postas em prática e quais são seus resultados.
(Daniela Oliveira, do Jornal da Ciência)